Entre os riscos de ser diferente e o horror de ser igual

A Loba de Ray-Ban


    Antes de se tornar um hit teatral na segunda metade dos anos 1980, O Lobo de Ray-Ban quase virou loba. O autor, Renato Borghi, adaptou a peça, mudando o foco para a figura feminina. Ao escrever esta segunda versão, ele tinha em mente Dina Sfat, mas a atriz adoeceu antes dos primeiros ensaios – ela morreria em 1989, vitimada pelo câncer. Nesse meio tempo, Raul Cortez decidiu encenar o texto original. Amor, ódio e um romance homossexual serviam de combustível para o bate-boca entre um ator veterano (Cortez) e sua ex-mulher (Christiane Torloni), também atriz, nos bastidores de uma companhia de teatro. O triângulo se completava com Fernando (Leonardo Franco), o namoradinho de Paulo.

    A montagem dirigida por José Possi Neto ficou dois anos em cartaz, rodou o Brasil e valeu a Borghi os prêmios Molière, Mambembe e da Associação Paulista de Críticos de Arte. Agora, A Loba de Ray-Ban finalmente chega aos palcos, no sábado (7). É a sétima parceria de Possi Neto com a diva Christiane Torloni – a primeira, 22 anos atrás, se deu justamente com O Lobo de Ray-Ban. Aos 52 anos, ela se revela em (ótima) forma para vestir a pele da “loba” Júlia Ferraz, versão feminina do personagem que foi de Raul Cortez. No início, a protagonista se encontra sozinha no palco, revendo cenas de seu passado em meio a uma crise pessoal. A chegada do ex-marido (Leonardo Franco, o Fernando da primeira montagem) desencadeia um embate entre os dois, que ganha contornos mais dramáticos quando entra em cena Fernanda (Maria Maya), a jovem namorada de Júlia.

“Perdi a conta da quantidade de ‘nãos’ que eu recebi"

    A atriz fala de beleza, da parceria com o diretor José Possi Neto e das dificuldades para se montar uma peça no Brasil


Com tantos dramaturgos novos despontando, faz sentido montar uma peça escrita há mais de duas décadas?
É um texto de qualidade, hoje ainda mais contemporâneo do que era no passado. Isso porque trata de questões morais. O mundo ficou mais careta de 1987 para cá, por causa do surgimento da aids. Essa geração mais nova tem um lado conservador, que pode ser confrontado com a discussão moral que A Loba de Ray-Ban levanta.

Por que você resolveu trabalhar de novo com José Possi Neto?
Seria impossível montar esse texto com outro diretor. Ele já havia dirigido a primeira versão; estamos fechando um ciclo agora. Ao longo de tantos anos, nossa cumplicidade foi se aprofundando. Não se trata de conforto ou acomodação, até porque é cada vez mais difícil trabalhar com ele – e também mais interessante.

A montagem de A Loba foi anunciada dois anos atrás, mas só agora saiu do papel. A que você atribui esse atraso?
A captação de recursos por meio da Lei Rouanet acabou atrasando. E uma parte do dinheiro só surgiu na virada do ano, quando eu estava acabando Beleza Pura [novela de Andrea Maltarolli, exibida em 2008]. Aí pintou o convite da Glória [Perez] para eu fazer Caminho das Índias. Irrecusável, né? No fim das contas acabou sendo bom porque tivemos mais tempo para conseguir patrocínio.


Sua popularidade como atriz da Rede Globo não facilita a captação de recursos para uma peça?
Mesmo com alguém famoso à frente, o produto precisa se adaptar a quem vai comprá-lo. É uma quimera. Em um ano e meio de captação, perdi a conta da quantidade de “nãos” que eu recebi. E olha que a gente ainda não conseguiu dinheiro para garantir uma temporada no Rio de Janeiro nem uma turnê pelo país. Há 12 anos, quando fiz Salomé [texto de Oscar Wilde, também sob a direção de José Possi Neto], o Banco Real bancou todo o projeto. Ficamos um ano em cartaz e ainda viajamos. Infelizmente, a realidade do país mudou muito. Atualmente nós não temos patrocínio nem para as passagens aéreas. É preciso ter muita fé para continuar fazendo teatro no Brasil.

Qual é a sensação de ser considerada um símbolo de beleza aos 52 anos?
Tive a sorte de haver sido criada com disciplina e muito esporte. Meus pais [os atores Geraldo Matheus e Monah Delacy] acreditavam que o exercício físico ajudava a equilibrar a saúde mental. Talvez eles preferissem que eu fosse uma atleta em vez de atriz... Até hoje sinto prazer em fazer exercícios. É algo lúdico para mim. Quando não estou ensaiando alguma peça, pratico power yoga e spinning – adoro pedalar.

Fonte: Época São Paulo

4 Comments:

Mônica Costa said...

Muito interessante! Não conhecia essa encenação "O Lobo de Ray-Ban ". Imagino como seria ver uma peça dessa categoria no ano de 1980, quando o preconceito era ainda maior que nos dias atuais. É uma peça que vale a pena ver por todo o valor estético e moral que se encontra nela.

Ana Paula F. Brito said...

"Romance homossexual" num teatro? o.0
Nem sabia que esse tipo de peça tinha futuro. (sem preconceito)

Patrícia said...

Por ser um romance COM TEMÁTICA HOMOSSEXUAL dos anos 80... CARACA! Deve ser show...

Daniel Silva said...

Nunca ouvi falar nisso. Pela época deve ter sido revolucionário.

Abgraço

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